segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Bar e Restaurante São Luiz


O Bar e Restaurante São Luiz esteve aberto de 1937 a 1969, na Rua Senador Feijó, Nº52. O restaurante pertencia a Felício Savioli, e sua esposa Maria Francisca Bruno, devotos de São Luiz. Segundo relata Nice Savioli, o local era ponto de encontro de vários segmentos sociais da cidade. O bar deu lugar a Papelaria Savioli, em 1970, e o salão, ainda hoje, guarda no lado esquerdo um oratório com a imagem de São Luiz. Com o falecimento de Felício, em 1955, os filhos assumiram definitivamente a administração do bar.
Segundo o senhor Pedro Victor, conhecido morador da cidade, o fotógrafo que tirou essa foto foi o filho de dona Tereza Preta, que se chamava Laerte, mais conhecido pelo apelido “Lete”. A data provável desta foto se situa entre 1950 e 1955. Da esquerda para a direita, o senhor de chapéu branco não foi identificado. O segundo é Arthur Preto, que possuía, na época, o único carro de aluguel (táxi) da cidade. O terceiro é Roque Savioli, e o menino ao seu lado, que trabalhava no bar, provavelmente morava em Ibiúna. Do lado direito do menino, está o irmão de Roque, Yolando Savioli. Do lado direito da foto estão pessoas que não conseguimos identificar. Um outro detalhe interessante que a foto registrou são as bebidas importadas no pilar central do bar.
Nice, esposa de Roque Savioli, lembra que todos trabalhavam muito na época do restaurante. O Bar e Restaurante São Luiz servia comida para viajantes que vinham do Rio Grande do Sul, de Sorocaba e de outras cidades vizinhas. Rose Savioli, filha de Roque Savioli, lembra com saudade da Semana Santa, quando era servida uma farta bacalhoada. Relata Rose: “A bacalhoada era feita numa panela grande e, após a missa, muita gente ia comer sanduíche feito de bacalhau”. Nas Sextas-feiras Santas eram feitos entre 900 e 1000 pastéis de palmito. Nessa época, aparecia gente de quase toda a região: Vargem Grande Paulista, Itapevi, Caucaia do Alto, Morro Grande e outras cidades. Roque Giannetti era outro freqüentador assíduo do bar. Tinha seu ponto comercial bem em frente e ia tomar seu golinho de café todos os dias. Segundo dona Dice, depois da missa de domingo, era costume das pessoas ir ao bar tomar café e comer pãozinho com manteiga (o melhor da região).
O Bar e Restaurante São Luiz fazia frente para as ruas Senador Feijó e Beco do Felício, hoje travessa Felício Savioli. Era o ponto de encontro preferido dos políticos. Antes do início da sessão da Câmara Municipal, os vereadores juntavam-se ali para discutir política e tomar o saboroso café. No bar, também aconteciam histórias pitorescas, e uma delas tem Roque Savioli como protagonista: ele mandou confeccionar alguns santinhos anunciando a missa de sétimo dia do vereador Dito Lopes, enquanto este gozava de perfeita saúde e muita vida. Imaginem o bafafá que deu! Alguns dos vereadores eram amigos do dono do bar. Alguns prefeitos também freqüentavam o local, como por exemplo, Carmelino, Emílio Guerra, Ivo e outros. Até Laudo Natel e Jóia Junior marcaram ponto no bar do Savioli.
O espaço do bar era um lugar onde se estabeleciam relações sociais. Segundo o Sr. Feíz, comerciante da cidade, lá foi instalada a primeira televisão do município, em 1951. Moradores de diferentes lugares da cidade reuniam-se no bar para assistir a programação. Ali se assistia a filmes do Mazzaropi e outras atrações televisivas da época. Rose Savioli lembra que muitas vezes não cabiam todos os telespectadores dentro do salão e muitos moradores da vizinhança, que vinham para a cidade de caminhão, assistiam aos programas de cima da carroceria. Alguns relatos mostram que muitos moradores vibraram com o vídeo-teipe da Copa do Mundo de 1966. É importante ressaltar que as pessoas, antes de assistir aos jogos da televisão, tinham o hábito de ouvi-lo pelo rádio. O senhor Feíz lembra de cenas engraçadas entre o Roque e o Yolando Savioli: ambos ficavam tentando arrumar o vertical e o horizontal da televisão (naquela época era assim!) e encontravam muita dificuldade para colocar a imagem em ordem. O Bar e Restaurante São Luiz, de fato, marcou época.

UM CONTO DE CARNAVAL


Naquela pacata cidade do interior ninguém imaginava que Dorotéia faria o que fez. Ninguém mesmo! Nem o Padre Adalberto. Dorotéia, moça recatada. Tímida. Quando saía de casa para ir à missa atravessava a praça com a cabeça escondida entre os ombros. Na cidade ninguém conhecia seu olhar. Nunca dera ousadia a ninguém. Mas em que lugar deste mundo não há um alcoviteiro? Em todo canto. As más-línguas falavam. Diziam que ela cobria o corpo todo com aquela roupa preto grafite até a cabeça por sofrer de um amor não correspondido. Um abandono amoroso bem no início da adolescência. Gervásio, o chalaça do lugar, dizia de boca cheia que tinha visto a moça há muito tempo se banhar na Lagoa da Serra. Dizia ele, corpo escultural. Ninguém no lugarejo acreditava em Gervásio por contar muita mentira. Mentiroso de mão cheia.
Além das missas, que Dorotéia não perdia todos os dias no mesmo horário, ela também visitava o confessionário de Padre Adalberto. Do seu trajeto, que consistia vir do final da rua principal da cidade até o Largo da Matriz, Dorotéia caminhava impecável. Lentos passos... o braço junto do corpo se movia a cada passo com leveza. Os homens suspiravam, os olhos das mulheres eram invejosos. Elas também invejavam aquela solidão retida. Que segredo guardava Dorotéia, perguntavam-se as mulheres da vila. Às três da tarde em ponto ia rumo ao confessionário, sentava-se espartanamente e conversava com o padre com voz baixa e suave. Uma única vez um deslize, e aqueles que estavam na fila do confessionário viram algo da moça em apenas um lapso de segundo: um descuido e o seu véu preto caiu. Antes que chegasse ao chão pegou-o no ar e cobriu o rosto novamente. Todos viram uma lágrima correr pelo seu rosto. Porque aquela lágrima? O que ela revelava?
Da casa da família de Dorotéia ninguém ouviu um barulho naquele Carnaval. Eles ouviam marchinhas antigas, soube-se depois, mas ouviam com extrema discrição. O volume da vitrola era tão baixo... Há alguns anos a família morava ali e ninguém se aprazerava da amizade dos moradores daquela casa. Janelas fechadas que se abriam em raras exceções. Apenas quando a procissão passava e mesmo assim nem sempre a janela se abria. A família de Dorotéia viera morar na cidade vinda da cidade grande. Da metrópole. Na igreja sentavam-se religiosamente nos bancos da frente o pai, a mãe e dois irmãos. O silêncio e a educação daquela família provocavam urticárias na língua dos beatos e beatas. Que segredo guardava aquela família? Os maledicentes inventavam histórias fantasiosas. Será que eles teriam vindo fugidos da polícia? A completa discrição da família de Dorotéia incomodava os invejosos.
Naquele dia em que o véu caiu e Dorotéia ficou desprotegida, a conversa dos fofoqueiros da fila da confissão beirava a loucura: alguns diziam que a moça era bela, cabelo comprido e preto, os olhos castanhos e os lábios grossos. Somente Valdirene dizia que Dorotéia era nariguda e feia. Pura inveja. Feia era Valdirene. Solteirona rancorosa. Mexeriqueira. Uma coisa pode-se dizer tranquilamente – Dorotéia era linda.
Com a chegada do Carnaval a rua principal se enchia de foliões. A cidade, que não tinha mais do que dois mil habitantes, neste período de festa pagã chegava a vinte mil. Muita alegria. O que os moradores não sabiam era que aquele carnaval seria diferente dos outros. Bem diferente, mas não trágico...
Na terça-feira de Carnaval, a casa silenciosa reverberava marchinhas estridentes. As janelas estavam escancaradas e o “Pierrô Apaixonado” era ouvido na outra extremidade da rua. Barulho incomum naquela casa, mas tanto o barulho como as brincadeiras de lança perfume e a algazarra não foram percebidos pelos foliões. Ninguém se atreveu a dar uma olhadinha pela janela aberta, nem mesmo se importou com a novidade estranha, pois blocos e mais blocos passavam pela rua chamando quem quer que estivesse por ali para a folia.
A música alta na casa só foi percebida na manhã de Quarta Feira de Cinzas. Quando os moradores começavam a despertar e caminhavam para a missa, os curiosos começaram a se aglomerar na frente da casa. Ninguém se aproximava da janela escancarada, enquanto as marchinhas continuavam ecoando pela rua sem nenhum pudor. “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é...” “Quanto riso, oh, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...” “Ei, você aí, me dá um dinheiro aí...” A urtiga das beatas aumentava assustadoramente a cada nova marchinha. Não demorou em surgir a pergunta no meio da multidão: “- Quem tem coragem de entrar na casa para ver o que está acontecendo?” Antes que alguém fosse indicado pelos curiosos, Gervásio saltou como um gato e soltou um grito. Eu!
Começou a “entração” de Gervásio na casa, cômodo por cômodo. Depois de alguns minutos o alcoviteiro apareceu na porta da frente com os olhos esbugalhados. A multidão se espantou. Alguém exclamou: “- O que aconteceu?” Gervásio sem cor e sem voz disse ter sumido todo mundo da casa. Não tem uma alma viva na casa. Até os móveis sumiram, menos a vitrola que tocava marchinhas. Espanto geral. Será que foram sequestrados? Será que foram abduzidos? Perplexidade! Toca o sino da igreja e os fieis caminham para a Missa de Cinzas cabisbaixos e com conversas entre lábios. Ninguém naquele momento teve coragem de dizer um nada sobre o sumiço da família de Dorotéia.
Quando Gervásio se atreveu a falar alguma coisa, um psiu autoritário soou do meio do povo e sua fala foi cortada pelo meio: “- Será que foi o...” Psiu! E todos ali caminharam para a missa. A igreja enfeitada. Os coroinhas em prontidão. O coral e a pequena orquestra esperavam a chegada do padre. O padre que era rígido com os horários e não aparecia. Nos anos de paróquia Padre Adalberto nunca tinha se atrasado. Nem quando estava doente se atrasava. Os fieis estavam inquietos, queriam se limpar dos pecados da festa pagã. Dona Antonieta, fervorosa em sua fé – fé que era proporcional à sua língua maledicente – soltou um “Será que é o que estou pensando?”. Ela não gostava do padre por motivos não sabidos no povoado...
Antes que Dona Antonieta continuasse com seus pensamentos maldosos os primeiros acordes da orquestra acabaram com as conjurações contra o padre. Quando ele entrou acompanhado dos coroinhas e os cânticos religiosos, o público na nave da igreja se espantou. Cadê o Padre Adalberto? O que ali entrara era seu substituto! Murmúrios tomaram conta da igreja. Uma voz mansa perto da sacristia dizia, “será que Gervásio e Dona Antonieta tinham razão em suas elucubrações?” Uma voz mais suave do que a outra dizia “não passa de divagações destes fofoqueiros.” Outra voz com um tom sarcástico indagava, “será?”.
Em questão de minutos os boatos com a ausência do padre na Missa de Cinzas e o sumiço da família de Dorotéia se espalharam pela cidade. Como a mente humana é perversa, principalmente quando pode existir a possibilidade de um amor verdadeiro! Evaldo, o cocheiro, dizia abertamente para quem quisesse ouvir: Padre Adalberto e Dorotéia tinham fugido no sábado de Carnaval. A fala do cocheiro continha inveja e ódio. Evaldo era louco por Dorotéia. Um amor platônico, nunca correspondido.
Ambos tinham realmente fugido juntos. Padre Adalberto era aquele amor adolescente de Dorotéia que simplesmente sumira. Ele não tinha ido embora como imaginara Dorotéia. Tempos depois ela ficara sabendo que os pais do rapaz trabalhavam na construção da ferrovia que crescia para o interior. Anos de busca do seu amor e Dorotéia descobriu que Adalberto tinha se ordenado padre em uma pequena cidade. Um detetive pago pela família havia descoberto seu paradeiro. Isso explica a chegada repentina desta família ali no povoado. Mas até hoje, a única coisa que os moradores da cidade sabem é que de fato eles tinham fugido. Ninguém nunca soube dos detalhes deste belo reencontro.
O reencontro de um amor do passado só presta saber aos envolvidos. Ninguém na cidade sabe como eles viveram depois do desaparecimento. Tiveram filhos? Foram felizes? Há sentimentos na vida que só interessam aos que os sentem. O sumiço da família foi planejado antes que descobrissem o amor entre Adalberto e Dorotéia. Não queriam passar nenhum tipo de constrangimento. Outras histórias apareceram na pacata cidade. Mentiras. Invejosos. Para alguns é tão difícil entender o que é o amor. Nem toda história de amor tem um final feliz. Esta até onde sabemos teve um. As línguas maledicentes jamais apagariam a beleza deste amor entre Adalberto e Dorotéia.
Uma única dúvida restou: por que a família deixara para trás a vitrola tocando marchinhas? Por quê?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

A Praça da Matriz


Ah! A praça da matriz da cidade de Cotia! Ela fez parte da vida de muita, muita gente... Eram passeios, namoricos, esperanças... As moças subiam de braços dados a rua Senador Feijó em direção à praça, onde os moços as esperavam para o momento do flerte. “Foi assim que comecei a namorar o Roque Savioli” - disse dona Nice.
Benedita Amélia Barreto Alvez, a dona Zizinha, cotiana nascida em 1916, conta suas lembranças sobre a praça e nos fascina com a objetividade que dá às suas palavras: “Naquele tempo íamos a reza depois dávamos algumas voltas pela praça, mas tínhamos que voltar cedo para casa”. Trazendo mais recordações de sua memória, dona Zizinha transforma suas frases em cenas vivas. Lembra-se do cruzeiro na frente da igreja, que deu lugar tempos depois ao coreto, das beatas, das festas, dos tropeiros que atravessavam a praça e seguiam na direção ao sítio do Nhô Zaca, no Portão. Uma das imagens que marcou Zizinha foi quando os revoltosos de Isidoro Dias Lopes, em contenda com Washington Luiz, chegaram do Paraná, e um de seus homens entrou em plena Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat... montado em seu cavalo. Foi um tumulto geral.
Maria Conceição Alves de Oliveira, outra moradora da cidade, lembra-se da inauguração do segundo coreto, em 1967. A festa contou com a presença da caravana dos artistas do Programa do Rádio Patuá Reis e trouxe os cantores Nelson Gonçalves e Paraguaçu Paulista. Era costumeira, no coreto, a apresentação da Banda Municipal da cidade. Para lá iam os cidadãos, a fim de escutarem marchas, valsas, modinhas... A praça era o centro cultural da época - todas as atividades aconteciam no coreto. Era também o único lazer da cidade. Conta o Sr. Leonel Ganem que a praça transformava-se, vez por outra, em campo de futebol. Os times eram formados pelos moleques que moravam nas casas do lado direito e do lado esquerdo da igreja.
Pedro Victor e Oscarlina Pedroso Victor, recordam as festas religiosas que aconteciam no decorrer do ano, na praça da Matriz. As festas do Divino, de São Benedito e da padroeira da cidade, eram comemoradas com muita devoção. A Festa do Divino era realizada 40 dias depois do Sábado de Aleluia e as festas da Padroeira e de São Benedito aconteciam juntas, no dia 8 de Setembro, para evitar que houvesse dois feriados – é que São Benedito teria o seu “dia cotiano”, não oficial, em 9 de setembro. Segundo dona Maria Conceição, na festa do Divino os sitiantes e moradores da cidade levavam suas prendas para a casa do festeiro do ano. Essa casa ficava conhecida como a Casa da Comida e os alimentos eram distribuídos graciosamente para os devotos.
Pesquisa realizada pelo padre Daniel informa que a igreja da praça foi inaugurada em 1713. Pedro Victor destaca que essa foto foi tirada por ele de cima do bagageiro de uma jardineira – o ônibus da época -, antes do seu casamento com dona Oscarlina, em 1945.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O Que Foi E Será Paulo Bafile

Das várias formas de olhar, Marcão escolheu a mais bonita. A velha foto em preto e branco nos pega direto no coração, tudo vira documento, tudo vira coisa sagrada. Se vacilar, vira lágrima. O laquê na cabeça das mulheres, a juventude dos empreendedores, a poeira da estrada, a cruz que o povo carrega, tudo é sagrado, porque é vida.
Hoje, parece que tudo se descarta, tudo é sucesso passageiro. Naquele tempo também havia moda, e a moda passou. Mas, o que o Marcão resgata aos nossos olhos é o que importa, o que transcende – além das mesquinharias, que não interessam mais, porque não passaram de mesquinharias. O que ficou é o que interessa. Cotia está aqui, e não é a saudade do passado que nos mobiliza. É o que sempre esteve aqui – a beleza, a fé, a esperança, o bom humor. Cotia permanece, como que achando graça de tanta tolice que passa por ela. Quem olhar com atenção para as fotos e o claríssimo texto do Marcão, verá o que une os homens: as mesmas coisas do sempre. Todos nós corremos atrás delas, porque delas precisamos: a amizade, o amor, o ideal comum.
Vejam, por exemplo, a foto do bar do Savioli. Por que bater uma foto de um balcão de bar, com as pessoas olhando seriamente a câmera? Apenas porque aquelas pessoas ali sabiam que, em sua vida cotidiana, em seu trabalho ou lazer, estavam fazendo algo importante, que merecia ser documentado. Alguns poderão dizer que eram pessoas simples demais para pensarem tão longe. Mas, quem somos, senão filhos de Deus? E não seria Deus, mesmo, quem teria inspirado a todos, os fotografados e o fotógrafo, e, finalmente, o Marcão, para nos fazer chegar esta imagem tão simples e tão complexa, ao mesmo tempo?
O mesmo se pode dizer de tudo o mais, e quanto se pode dizer! O descampado onde dois homens preparam a construção do hospital. As meninas arrumadinhas carregando o andor da santa. As pesadas casas do Século XVIII, motivo de orgulho e de desdém, conforme o observador.
A grande lição das coisas é esta – o que sempre foi, será. É desnecessário falar mais, basta ver, ler. Abraço o Marcão, agradecendo a imensa honra que me proporcionou em escrever o prefácio deste trabalho tão importante. Trabalho que permanecerá, porque sempre foi.
BAFILE, Paulo – escritor, médico; Dezembro de 1998.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

GESTÃO: UM BREVE CAMINHO PARA UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE


Justificar os indicativos de que nossa educação está entre as piores do mundo é muito fácil. Os arcabouços dos indicativos negativos saltam aos olhos de quase todos enão é preciso ser especialista em educação para vê-los. Podemos vê-los pelas péssimas estruturas dos prédios escolares. Será esta uma justificativa? Pela dificuldade dos alunos chegarem até as escolas em alguns lugares. Será outro indicativo? Pode ser a frágil formação dos professores ou os péssimos salários que estes recebem. Se este for um dos motivos, seria fácil de resolver? Aumentar os salários e proporcionar cursos de formação.Será que estas ações resolveriam os índices deprimentes da educação brasileira? Outra justificativa corriqueira para justificar esta educação de qualidade ruim é a falta de dinheiro. Será? As secretarias da educação são as únicas da administração pública que têm verba garantida. Elas têm 25% do orçamento e 15% do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Professores da Educação).Será realmente a falta de dinheiro? Deste montante, 60% são para o salário dos professores. Podemos montar um imenso mosaico de indicativos para justificar a ineficiência desta máquina. Pouco adiantaria. É preciso dar o pulo do gato e propor ações que mudem esta situação, para assim sairmos do muro de lamentações em que nos encontramos.

Estas observações não são novidades. A intenção deste texto não é descobrir quem nasceu primeiro,“o ovo ou a galinha”. É propor caminhos que ajudem a sair deste marasmo. Desta sensação de que não tem jeito. Sair deste “ringue de patinação”.O ponto de partida para sairmos desta condição quase letárgica é que se tenha a vontade política do gestor público (Presidente, Governador e Prefeitos). Se não existir esta vontade,aí não anda mesmo. Se não existir esta ambição política destes gestores é como “chover no molhado”. A educação não pode continuar sendo enfeitada com uma leve camada de verniz. A educação não pode ser a protagonista na época da eleição para logo depois ser esquecida,ser tratada com descaso. Outro aspecto negativo é o “plano de educação de faz de conta”. Não passa de ilusão. Não passa de peça publicitária, que nunca vai sair do papel. Então, um passo importante é ter vontade política de fato. Outro passo importante e significativo é conhecer a rede de ensino que é da “responsabilidade”destes gestores. Quem é seu professor? Quem é o funcionário que limpa a escola ou abre o portão da escola? Quem é o secretario da escola? Quem é a merendeira? Quem é seu diretor? Quem é seu coordenador? Quem são os funcionários que estão locados na secretaria da educação? Fica difícil construir um projeto de educação se não conhecemos os sonhos, os desejos e a esperança desta gente.

A palavra “responsabilidade” entre aspas é pura provocação. A “responsabilidade” da educação não é só para quem está no topo da hierarquia, é de todos que participam deste processo que é o ato de educar. O diagnóstico possibilita ouvir, sentir e apontar soluções de quem vive a realidade da escola no seu dia-a-dia. Esta mania de trazer projetos prontos e hermeticamente fechados não funciona. Quantos projetos conhecemos, que foram implantados de cima para baixo e que tiveram vida curta?! Um diagnóstico bem elaborado pode apontar caminhos onde todos se sintam responsáveis e respeitados.A melhoria da educação não é um ato isolado. É um ato coletivo. Os envolvidos têm que se sentir imbricados nesta construção de índices positivos.

Dois passos importantes até agora: vontade política e diagnóstico. O diagnóstico evita que o gestor deixe de ser um apagador de incêndios, pois cada dia tem um incêndio para apagar. Desta forma é impossível fazer educação, e assim, apenas se administra o fracasso. Um esforço imenso para um resultado ínfimo. A exaustão toma conta. Junto, o desânimo. O diagnóstico apresenta soluções e aponta objetivos, metas e breves resultados com a participação de todos os envolvidos.É caminhar coletivamente.

Diagnosticar a rede de ensino é antecipar eventuais problemas e apresentar soluções. Diferente de apagar incêndios. Com estes primeiros passos (vontade política e diagnóstico) pode-se conhecer a discutir um Projeto Pedagógico para a rede de ensino. Caso contrário, estaremos cuidando da educação paliativamente.

Marcos Roberto Bueno Martinez

(Formado em História, Escritor, Secretário da Educação de Cotia de 2000 a 2008) 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Procissões


Na pesquisa realizada pelo padre Daniel Balzan sobre a Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat, verifica-se a força da religiosidade e da influência das Irmandades na sociedade cotidiana do século XVIII. Registra o padre Daniel: “Cada uma das Irmandades, a de Nossa Senhora dos Pretos, a de Nossa Senhora da Conceição e a do Santíssimo Sacramento, tinham sepulturas próprias. Os irmãos falecidos eram sepultados com o hábito da própria irmandade, ou simplesmente enrolados em panos brancos e enterrados numas das sepulturas, na presença dos demais irmãos”.
Quase dois séculos depois, ainda é forte essa religiosidade em Cotia. A memória de moradores antigos e as fotografias revelam a vida social da cidade intensamente ligada à religião. Nas décadas de 40, 50 e 60, as procissões ditavam o comportamento cultural dos moradores de Cotia e região, logicamente, com características bem diferentes daquelas do período colonial. Antonia Luisa Moraes Barreto, conhecida pelo apelido de dona Juju, conta que seu pai, Antônio Benedito de Moraes, escrivão da paz, tabelião e devoto de Santo Antônio, encomendou a um carpinteiro que fizesse uma charola – o mesmo que andor – caprichada para demonstrar a sua devoção ao santo.
Dona Juju, com 81 anos durante a entrevista, lembra de uma crença que era singular nas procissões em Cotia: a charola de São Benedito não podia sair nem no meio nem no fim da procissão, tinha que ser o “abre alas”. Se o santo não saísse na frente, com certeza choveria. Outro relato interessante dela é sobre a ornamentação do andor. Ao prepará-lo, ela conta que gostava muito de usar flores naturais e ressalta que as roupas de quem carregava o andor tinham de ser da mesma cor dos arranjos das flores. “O Ditão, que era quem organizava a procissão, era profundamente perfeccionista” – disse ela.
A procissão mobilizava muita gente. O percurso iniciava-se na rua Senador Feijó, entrando na rua Joaquim Horácio Pedroso, passando pelas ruas Lopes de Camargo e Dez de Janeiro, até à praça Padre Seixas; entrava novamente na rua Senador Feijó e terminava na frente da igreja. Segundo Oscarlina Pedroso Victor, cada irmandade representa um segmento da comunidade. A Irmandade Cruzada Eucarística era representada por crianças que usavam uma fita amarela, que identificava seu grau de religiosidade. A Pia União das Filhas da Maria representava as moças, que ficavam nessa irmandade dos 15 anos até o casamento. A fita usada era de cor verde. A Irmandade de São José era composta por homens e mulheres. A de São Benedito e do Santíssimo Sacramento eram compostas apenas por homens. Os irmãos de São Benedito usavam uma indumentária branca com capa preta, chamada opa, e os irmãos do Santíssimo usavam outra, vermelha. Na Irmandade Nossa Senhora das Dores a fita era roxa. Na Coração de Jesus era vermelha e na Congregação Mariana, era azul. Esta ultima era composta por moços e seus dirigentes tinham estrelas de metal em suas fitas. Outro detalhe interessante: as roupas dos carregadores de andor eram todas iguais e da mesma cor.
OBS:
No dia 25/07/65, na festa do Divino Espírito Santo. Nesse ano, os festeiros foram o Quinzinho Pedroso e dona Bela. O andor é o de Santo Antônio.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Prefácio à 2ª Edição Os Caminhos Da História Na Moderna Leitura Dos Novos Pesquisadores

João Barcellos
Nos 450 anos de fundação de São Paulo dos Campos de Piratininga, sob projeto jesuítico do Pe. Manoel da Nóbrega, conclama-se também o Mundo para os 416 anos da fundação histórica de Cotia, que se verifica pela escritura da Sesmaria dos Índios de Pinheiros [de 12 de Outubro de 1580], e para os 148 anos de emancipação político-administrativa [2 de Abril de 1856] da velha aldeia carijó que sinalizava os vários percursos do ´piabiyu´.
A urbanidade de Cotia percebe-se a partir daquele Abril de 56, corria o Séc. XIX. Já não era somente um espaço de ruralidade a alimentar a Capital paulistana: Cotia erguia-se precariamente, mas erguia-se estabelecendo uma ordem rural própria, enquanto a Capital já bebia o cosmopolitismo das novidades industriais e culturais. Novidades que, aos poucos, iriam destruir a cultura miscigenada nas voltas da escravatura e do bandeirismo, além de esquecer a fala geral – o Tupi. Foi este conceito de ordem rural, mais popularmente conhecido por coronelismo, que impediu um crescimento urbano de raiz cultural própria a par de um desenvolvimento social e econômico em harmonia com o da Capital. Desenvolvimento que só começou a ser esboçado com a comunidade nipônica, em torno da construção e expansão da Cooperativa Agrícola Cotia [CAC]. Aí, Cotia ganhou o Mundo. Corriam os primeiros anos do Séc. XX, e veio a Indústria, a eletro-mecânica e a rural, às quais se junta a da ´era´ digital.
No livro Memória & Imagem, o professor Marcos Martinez, hoje Secretário Municipal de Educação e Cultura, em Cotia, coligiu entrevistas e dados, orais e fotográficos, e compôs um painel sócio-urbano daquela urbanidade primeva. São causos tão impregnados da alma rural que é difícil situar os personagens num contexto meramente urbano, embora o mercantilismo e o maquinário da industrialização estejam no lar de todas as pessoas ouvidas. O grande mérito de Memória & Imagem, publicado em 1999, é a tradução fiel – como fez o fotógrafo Lumi Zúnica, ao montar o acervo de imagens inéditas Cotia / Trilhas e Trilhos [2003] – do assentamento cotiano em arraiais de entorno urbano, o que começou em 1703, com a mudança da Aldeia carapicuibana do Caiapiã para o morro itapecericano, onde se situa o centro cotiano até hoje.
A busca de acervos fotográficos familiares foi, é e será, um caminho árduo na projeção de um painel sócio-cultural para se lograr uma identidade comunitária. O trabalho do Prof. Marcão, já balizado anteriormente em programas radiofônicos e textos jornalísticos locais, acabou por trazer à luz fatos históricos recentes e, outros, já celebrados pela imprensa regional. Um trabalho que contribui para dar ciência de Cotia às gerações que chegam, mas também às atuais.
BARCELLOS, João – escritor, conferencista, editor. Autor de livros sobre Cotia, como ´Oi, Cotia!´, ´Piabiyu´, ´Cotia / nas referências de são Paulo...´, ´de costa a costa com a casa às costas´ [sobre a tradição carijó que implantou a aldeia Koty] e ´Baptista Cepellos / o poeta do drama brasileiro´. Dezembro de 2003.

Casarões Coloniais

Benedita Amélia Barreto Alves (a dona Zizinha) lembra de um dos nomes dos donos do casarão: “o Sr. Vermelino”. Segundo alguns comentários, esse bar era muito elegante para a época. O Dr. Osvaldo Manuel de Oliveira, que nasceu em 1931, conta que o bar também foi do seu Laurindo Jorge Lima e que, realmente, era um bar cheio de glamour. O último proprietário, antes da demolição do casarão no final de 67, foi o Sr. Nishimura. O casarão localizava-se à rua Senador Feijó, próximo a Travessa do Felício.
No local da praça da matriz onde está o casarão do Sr. Vermelino, ficava o ex-abrigo de ônibus e uma banca de jornais, bem na pontinha da praça da Matriz, do lado direito.
A cada artigo vamos reconstruindo a memória e um pouco da arquitetura da cidade. Do lado esquerdo temos o casarão e do lado direito o sobrado do Sr. Alípio. A parte de cima era a área residencial do prédio, e embaixo ficava o salão comercial. O Dr. Osvaldo recorda que na parte comercial do prédio funcionava uma farmácia e que, tempos depois, foi ocupada por três agências bancárias: o Banco Popular do Brasil, o Banco Riachuelo e mais recentemente o Bradesco.
Uma característica que já podemos definir sobre a cidade é que ela era essencialmente religiosa Benedita. Amélia Barreto Alves carregando a imagem de Nossa Senhora da Aparecida e ao seu lado está seu esposo, Joaquim Alves, com o estandarte do Divino Espírito Santo. No ano de 1965 eles foram os festeiros. Esse também foi o último ano em que a tradicional distribuição de alimentos foi realizada.
Partindo do lado direito da rua Dois de Abril, margeando a praça, tínhamos o armazém de secos e molhados de Rajá Ganem. Segundo depoimentos de Lufit Ganem, “no armazém se vendia de tudo”. Com a desapropriação da casa aconteceu a sua demolição em 1967, para ampliação da praça. Na frente da Igreja da Matriz, do lado oposto da praça, tinha um outro casarão... Segundo o Dr. Osvaldo, nessa casa funcionou uma farmácia que pertenceu a José Martins Barros e, depois, estabeleceu-se ali a barbearia de Roque Giannetti.


Olhando da porta da igreja matriz para o lado esquerdo percebemos um estabelecimento: era o restaurante de Emília Costa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Histórias de Roque Giannetti


Roque Giannetti chegou em Cotia no ano 1938 e ganhou de seu pai, aos 16 anos, uma barbearia na cidade, onde exerceu seu oficio. O Sr. Roque, hoje com 75 anos, e como gosta de ressaltar, 75 incluindo os nove meses que ficou na barriga de sua mãe, lembra dos sessenta anos, que mora na cidade, com um bocado de saudade.

Entre tantas histórias uma chama a atenção: conta ele que um belo dia, lá pelos idos de 40, precisava ir a São Paulo para fazer compras para a sua barbearia, mas foi avisado por seu Vermelino, outro antigo morador da cidade, que naquele dia ia chover muito. Desconfiou do conselho e foi para a Capital, pois o céu estava azul, o sol brilhava e nada indicava que pudesse chover. Ao chegar próximo do atual Rancho da Pamonha, o tempo fechou e desabou o maior temporal do mundo. O ônibus encalhou e o Sr. Roque chegou a São Paulo coberto de lama. No final da tarde, chegando a Cotia, quem o estava esperando? O Sr. Vermelino, de maneira mais irônica possível, disse: - Não falei que ia chover?

O Sr. Roque, todo tímido, perguntou: - Mas, como o senhor sabia?
Vermelino, então, perguntou a Roque se ele estava vendo o galo em cima da torre da Igreja da Matriz; ele disse que, quando ele está com o rabo virado para o lado da praça, significa frio e chuva, quando ele está olhando para a praça, o dia é bonito. Quem quiser conferir, o galo ainda está no mesmo local.

Outra história interessante de Roque Giannetti é esta: ele teve que enfrentar o delegado de polícia, que na época tinha praticado algumas arbitrariedades. O delegado chamou várias pessoas para prestarem esclarecimento sobre um certo caso, nada por escrito, tudo verbalmente, e acabou com as pessoas que lá foram. O Sr. Roque, como não compareceu, recebeu uma segunda intimação, agora por escrito. Antes mesmo de o delegado começar a esculachar, ele, com o seu jeito calmo, acabou com o delegado.