sábado, 24 de novembro de 2018

ESTÃO ASSASSINANDO NOSSOS JOVENS...


É difícil aceitar a morte de alguém que guardamos afeto em qualquer idade. Imagine de um jovem! Um pai que tem um filho morto violentamente sente todas as dores do mundo. Uma mãe que tem um filho morto violentamente sente a dor do parto. Os pais que têm um filho morto prematuramente, de forma brutal, morrem lentamente. Quando assistimos a um jovem sendo morto a pauladas pela torcida adversária sem qualquer piedade, nos indignamos. Ele tinha uma vida pela frente! Pensamos. Ele ou ela poderia ser um médico. Poderia exercer qualquer outra profissão. Tinham tempo para isto. Poderia ser um bom pai. Poderia ser uma boa mãe. Tempo. O tempo foi encurtado por um psicopata. O tempo foi encurtado por um bando de psicopatas. O que dói é saber que tinham uma vida pela frente.

Quantos pais lamentam a morte de seu filho, que aconteceu de forma trágica. Quantos pais neste exato momento lamentam com a voz embargada e o choro doído, dispostos a estar no lugar do filho! Suplicam a Deus uma explicação. Por que, meu Deus? Os nossos filhos saem de casa para baladas e festas e não voltam. Ficamos em casa com uma angústia que vai aos poucos alterando nossos sentidos. Boca seca. Insônia. Uma sensação de que alguma coisa ruim pode acontecer. Uma sensação de que algo ruim já aconteceu. Intuição de pai e de mãe não falha. Tem gente neste mundo que não gosta de juventude. Mata por amor. Quem ama não mata. Mata porque tem o outro como posse, como se fosse um objeto. Mata covardemente. Mata por causa de um celular. Quantos sonhos aniquilados, violentamente...

Quantos pais neste exato momento abraçam a roupa do filho que partiu brutalmente. Para sentir o cheiro. Não se desfazem dos pertences do filho para sentir sua presença. Para lembrar com saudade do filho que não volta mais! Criamos nossos filhos em uma redoma. Protegemos para que não sofram. Esquecemos de dizer que no mundo real existe gente boa e ruim. As drogas estão matando nossos filhos. Pedófilos e estupradores estão soltos. Os pais são responsáveis pela educação dos filhos, sim! Mas o Estado tem que proteger a vida dos nossos filhos. Todos os dias matam os nossos filhos. Um dia é bala perdida outro é atropelamento. A nossas filhas estão sendo assassinadas todos os dias. Viram apenas estatísticas. Os números são frios. A vida é quente. A vida não pode ser encurtada dessa maneira. A vida foi concebida para ser vivida por inteiro e com intensidade.

Os programas sensacionalistas adoram colocar nossos filhos mortos violentamente. Dá ibope! Fazem do sofrimento da família uma novela. Exibem incansavelmente a tragédia. Desrespeito. Insinuam. A dor de um pai quando perde seu filho lateja para sempre na sua alma. A dor de uma mãe que concebeu seu filho e o vê morto violentamente a faz sangrar todos os dias. A legislação é omissa. Desumanização. O consumo cego e exagerado não pode valer mais que a juventude. É preciso urgentemente defender um Manifesto pela Vida!

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

TOTEM ELETRÔNICO




Ao chegar ao aeroporto de Cumbica, no início de uma madrugada, deparei-me com dezenas de totens eletrônicos e centenas de pessoasdigladiando-se com eles. Uma loucura! Corri os olhos desesperados no amplo ambiente com a intenção de localizar um atendente, mas não encontrei. O desespero aumentou... Ao lado dos totens, um rapaz atendia simpaticamente as pessoas angustiadas postadas emuma fila imensa,para tirar dúvidas de como usar aquelas maquininhas esquisitas. Até mesmo estranhas! O atendente dizia “... senhores ou senhoras”, com a maior tranquilidade do mundo, diante dos rostos apreensivos dos viajantes que desejavam fazer o check-in,“coloquem a mão no visor do totem e sigam o procedimento... Ele vai indicar aos senhores os passos seguintes”.Foi a mesma coisa que não dizer nada. Absolutamente nada! Para esconder minha ignorância, fiz de conta que tinha entendido tudo sobre aquele monstro eletrônico, bem ali na minha frente. Juro que passou uma vontade quase incontrolável de chutá-lo (rs).

Toquei o dedo no visor do totem e ele indicou o procedimento seguinte... Fiquei mais confuso ainda. Não entendi quais os passos que deveriam ser dados diante daquela tela toda colorida,para realizar o tal check-in. Quando você não consegue pensar, o corpo padece. Fiquei com as mãos geladas e suando pra caramba com medo de perder o voo.Bateu uma sensação de incompetência,achando-me o maior ignorante da face da terra. Mesmo assim não desisti! Disfarçadamente voltei para o final da fila e fiquei prestando atenção como as pessoas faziam o check-in. Muitos viajantes voltavam ao atendente do lado e pediam auxílio. Alguns pediram auxílio várias vezes... E a fila ia aumentando a cada minuto. O horário do embarque estava chegando. Desespero total. Eu olhando atentamente... Um viajante,com cara de adolescente, em menos de dois minutos fez seu check-in com a maior facilidade. Com os pés nas costas. Pensei em pedir ajuda para aquele jovem, mas fui contido pela vergonha e pelo orgulho! Imagine que eu mostraria meu analfabetismo tecnológico daquela forma. Nunca! Ilusoriamente, queria manter minha dignidade, mesmo com a possibilidade de perder a viajem para Andaluzia (rs).

Faltava pouco para, novamente, tentar,com sucesso ou não,o check-in. Desolado, imaginava que perderia aquela viagem fascinante por culpa da tecnologia. O suor tomara conta de todo o corpo, deixando a camisa encharcada. Não conseguia respirar direito. A falta de ar no cérebro deixa qualquer um quase imobilizado. Não estava sozinho nesse sofrimento!Atrás de mim uma senhora já tinha entrado pela terceira vez na fila. O seu semblante era de humilhação. Um rosto com semblante apavorado. Pensei, com certa irritação,“imagina que vou deixar essa máquina esquisita me vencer”. Jamais! Chegou a minha vez... Quando levantei a mão para colocar o dedo na tela do totem eletrônico, uma voz angelical disse “o senhor está precisando de ajuda?”. Sim! Sim! Sim! A atendente educadíssima em poucos segundos resolveu o sofrimento que me afligia há quase uma hora. Aquele sentimento de alívio e incompetência, ao mesmo tempo, desapareceu. A senhora atrás de mim na fila era só alegria. Embarquei pensando na volta.Quando chegasse em casa, teria uma aula com minha filha de 11 anos sobre como mexer com esses monstrengos eletrônicos (rs).

P.S.:na próxima viagem gostaria de encontrar mais gente de carne e osso para ajudar meu analfabetismo eletrônico.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

VOVÓ CATARINA

Erigi um monumento mais duradouro que o bronze, 
mais alto do que a régia construção das pirâmides
que nem a voraz chuva, nem o impetuoso Áquilo 
nem a inumerável série dos anos,
nem a fuga do tempo poderão destruir.

                                                                                                                             Horácio
                                                                                                                          
Escrever o livro Memória & Imagem foi um grande presente, na medida em que me possibilitou revelar a memória de antigos moradores de Cotia. Memórias que, com o passar do tempo, estavam sendo esquecidas. Desaparecendo.Ao entrevistar esses moradores antigos,a memória de cada um deles trouxe novidades quase apagadas e desconhecidas dos novos moradores que vieram de todos os lugares do mundo aqui morar. Dona Oscarlina Pedroso Victor,com as fotos antigas nas mãos delicadas ia tecendoum mosaico das histórias desses moradores. Nesse mosaico cheio de sentimentos, apareceu a vovó Catarina, moradora da Granja Vianna. 



Ao descobri-la nesse mosaico de vidas,fui ouvi-la.Fui conhecê-la. Fui recebido por uma “velhinha” generosa...Aquela senhora de cabelos brancos e um sorriso solícito,e, sem cerimôniaalguma,foi tecendo seu mosaico danossa cidade. Um mosaico carregado de encanto.Antes de falar da Granja Vianna e de Cotia,lembrou-se do marido,companheiro de uma vida... Os olhos lacrimejaram. Frisou o amor à família. Uma senhora de sensibilidade incrível. Com gestos elegantes, serviu um café, bolachas e um delicioso pedaço de bolo e iniciamos a conversa.

Aos poucos ela foi falando das dificuldades que enfrentou ao lado do marido, José Felix de Oliveira. Lembrou emocionada de quando chegaram à fazenda do senhor Niso Vianna. A cada pincelada no passado trazia à tona uma diversidade de casos. A cada momento fisgado da memória trazia uma história. Ela e o marido estendiam um lençol branco na frente de sua casa e exibiam filmes em preto e branco. Juntava gente dos quatro cantos da cidade: Cotia, do Morro Grande e Caucaia do Alto e outros. Com aquele sorriso gostoso de ver e ouvir, revelou timidamente que, nesses encontros, saíram namoros e casamentos.

Durante anos, a vovó Catarina foi inspetora da Escola da Granja Vianna (hoje, Escola Vinícius de Moraes). Os alunos lembram-se de vovó Catarina com carinho. Relata um aluno: “Quando esses fugiam das aulas para ficar na pracinha, dona Catarina gritava lá da escola para que voltassem às aulas. Depois do terceiro chamado ela ia buscá-los educadamente, explicava as normas da escola.Respeitava os alunos e era respeitada por eles. A melhor cena que descreve dona Catarina é quando ela caminhava pela Granja Vianna era cumprimentada por todos. Ela é avó de todos os moradores da Granja Vianna. Ela é avó de todos os moradores de Cotia”.

Na conversa sempre retomava lembranças do senhor Niso Vianna. Um homem generoso,ela dizia. Trazia do seu mosaico lembranças das primeiras freiras que a fazenda recebeu para prestarem serviço social. O cuidado que o senhor Niso Vianna tinha com os funcionários da fazenda ela também relatou. Essas lembranças são um pedaço da memória da vovó Catarina. Memórias que não serão destruídas. Memórias que serão sempre lembradas. Gente com esse jeito da vovó Catarina nunca desaparece. Gente assim deixa saudade.

P S: vovó Catarina se despediu de nós em grande estilo, depois de mais de cemanos de vida.