sexta-feira, 20 de julho de 2018

CASA DA RUA CEARÁ


 Morei em Votuporanga até os 15 anos de idade. Nesse tempo, morei em vários bairros e casas, cada um deixou sua marca na minha infância. Cada um deixou marcas para sempre... O lugar que mais deixou marcas na minha criancice foi a casa da rua Ceará. Uma casa diferente das outras. Ela tinha um quintal imenso, brincávamos muito nesse quintal. Subíamos em árvores. Jogávamos bola. Brincávamos de salva-pega e tantas outras brincadeiras de criança. Era um quintal encantado. A cada dia o imenso quintal apresentava uma novidade.

A casa da rua Ceará era antiga e os tijolos eram grandes. Uma casa velha. Parecia feita de tijolos de barro. Sempre achei que a casa fosse assombrada. Com o passar do tempo, ela se revelaria assombrada...A casa tinha vida!Parecia ter memória. O banheiro era fora da casa – algo incomum nos dias de hoje. Os quartos eram enormes. Escuros!Na frente da casa,um belo jardim. As janelas eram pintadas de azul e as paredes de branco. Uma casa formosa. O telhado era de quatro chuvas. A casa ficava no canto direito do terreno. Parecia muito com casa de fazenda,mesmo sendo dentro da cidade. Adorava morar nessa casa. Era aconchegante. Depois que mudei de lá, parecia que estava faltando alguma coisa...Saudade. Até hoje, guardo-a em minhas lembranças.

Entenda porque o quintal de lá era encantado: tinha dez pés de laranja pera,doces e saborosas. Uma enorme mangueira de manga espada. Aquela que tem fibra. Deliciosa. Pé de pitanga. Um pé de jabuticaba. O quintal parecia o Éden. Conhecíamos as estações do ano – verão, outono, inverno e primavera –,conforme cada fruta aparecia,cada flor florescia. Sabíamos que aquela fruta ou flor era daquela determinada estação. Aquele quintal era uma escola. Era um lugar de aprendizagem. Ainda de calça curta, ganhei um canivete com bainha para descascar laranja e outras frutas. A vitamina C estava ali, bem pertinho. Tantas outras vitaminas... O pé de pinha era uma delicadeza. Adorava tudo ali. Na primavera, o jardim, com dezenas de flores, enchia os olhos. A casa da rua Ceará era abençoada.

Meu pai viajava muito a trabalho. Eu e minha mãe ficávamos sozinhos. Tinha meu quarto e a janela ficava na frente da casa,fazendo vizinhança com o belo jardim. A minha mãe dormia em um quarto ao lado esquerdo da casa. Uma noite, depois de deitar,ouvi um barulho de algo que se arrastava pelo chão. Achei que poderia ser um bicho ou uma barata. O barulho continuava insistentemente.Medo. A minha respiração começou a ficar ofegante. O barulho aumentava. Ansiedade. Tirei o cobertor que cobria a cabeça e fui investigar de onde via aquele barulho, lentamente. Cuidadosamente. Virgem Maria!Levei um baita susto, em menos de um segundo estava na cama de minha mãe aos gritos. O que aconteceu? O meu sapato, que ficava ao lado da cama, estava se mexendo. Movimentando. Eles estavam juntos e começaram a se afastar um do outro.


P.S.: apesar dessas coisas de assombração, adorava aquela casa. Eu sentia que as paredes tinham ouvidos. A casa tinha movimento e, com certeza, tinha muitas vidas. Aprendi tanto com ela!Outro dia fui visitá-la e, no lugar, construíram um imenso hotel chique!Assassinaram minha casa da rua Ceará com memória e tudo!

Um comentário:

  1. Que lindo meu primo querido! Coisas que marcam nossa alma, nossa vida.Memórias!!! Adoro casa com quintal e jardim, pois também faz parte da minha infância. Na fazenda em que morava nossa casa tinha um quintal imenso e nele tinha plantando pé de goiaba e nós as criançadas vivíamos subindo nessa goiabeira e no quintal ao lado tinha plantado vários pés de tangerinas, mexirica, uma delícia, era muito gostoso viver alí.

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