Um
mês sim outro não, o menino estourava o dedo do pé (pododáctilo – hálux –dedo
grande do pé)em alguma coisa pela frente. Tropeçava em uma pedra que encontrava
no meio do caminho. Chutava o chão antes do que a bola. Tropeçava com o dedão
em algum degrau de escada. Um desastre! O dedão do pé andava todo estropiado. Estes
dedões passaram maus momentos nesta existência...(risos).O menino das arteirices
gostava muito de brincar e tinha pouco apreço pelo estudo. Brincava de pega-pega,
de salva-pega, adorava brincar de passa anel. Menino danado, foi com a
brincadeira de passa anel que ganhou o primeiro beijo. Era tão arteiro, que adorava
pegar rabeira nos caminhões de algodão, um perigo, que passavam na frente da
sua casa.
As arteirices
eram tamanhas, que um dia tirou a camisa do corpo e a jogou em um caminhão em
movimento e acertou bem no meio da calota. O caminhão foi embora e levou a
camisa enroscada ali, o desespero tomou conta, saiu aos gritos, mas o motorista
seguiu seu caminho. O menino não teve dúvida: saiu correndo em uma tentativa
desesperada para alcançar o caminhão. Lógico que não alcançou. Mesmo assim,
saiu pela estrada com a esperança de achar a camisa e pensando em que desculpa
arrumaria pelo sumiço da roupa. Naquele dia a sorte esteve do seu lado. Depois de
andar quilômetros na estrada de terra vermelha, encontrou a camisa toda suja.
Foi salvo pela persistência e se livrou do castigo que provavelmente levaria se
chegasse a casa sem a tal camisa. Uma traquinagem atrás da outra.
Mas
nem sempre a sorte esteve do seu lado. A Festa de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira
da cidade, ajuntava uma multidão para comemorar o aniversário da santa. A festa
era realizada em um clube da cidade que tinha um imenso lago. Só de pensar o
que poderia ter ocorrido, dá um arrepio na coluna. O menino, danado que era,não
perdia uma festa, estava sempre lá, com sua roupa de domingo. Os barcos eram todos enfeitados e o lugar
ficava cheio de gente... uma vez ele resolveu ficar com um pé em um barco e o
outro pé em outro barco que estava ao lado. Com a movimentação da água do lago
os barcos começaram se mover. Advinha o
que aconteceu? Os barcos começaram a abrir e suas pernas foram abrindo junto com
o movimento dos barcos. Ele e uma centena de outros meninos caíram dentro do
lago. Os barcos que se abriram lentamente começaram a voltar a seus lugares de
origem. O menino danado poderia ter perdido a vida ali mesmo. Não se sabe quem
foi, mas sabe-se que a mão de alguém o puxou pelo cabelo antes que os barcos se
encontrassem e se fechassem de novo na posição anterior. Saiu do lago todo
molhado, foi ao banheiro, enxugou-se e foi curtir a festa como se nada tivesse
acontecido. Parece que este menino não tinha noção de perigo...
Um
dia o menino saiu de casa sem rumo e foi parar na Matinha da Viúva, um resto de
mata que sobrou na cidade. Resolveu comer uma suposta fruta que não era fruta e
teve uma tremenda dor de barriga e muita febre. Chegou a ser internado. A tal
fruta era venenosa. Era uma peraltice atrás da outra. No dia seguinte o menino
já estava fazendo ou procurando fazer mais arteirices.
O
menino das arteirices começou conhecer o que era preconceito bem cedo. Até podia
não conhecer a palavra, mas sentiu o gesto da diferença. Num dia ensolarado em
um campinho de futebol, o técnico do time adversário gritou “Pega esse pretinho
que mora na baixada. Preto só serve para jogar bola mesmo!” O menino parou e olhou
bem arregalado para aquele homem de meia idade e disse com firmeza“Ele tem nome
viu, seu moço! O nome dele é Adriano e nós o chamamos de Dri.” O homem não
percebeu a indignação dos meninos e soltou uma segunda frase pior que a primeira.
O tempo fechou e o jogo terminou com uma briga. Não era assim que deveria ter
terminado aquele jogo. O Dri era um menino inteligente, estudioso, trabalhador.
Uma família de negros com mais de oito irmãos e o Dri, com onze anos,
trabalhava para ajudar a mãe. Estudava com o menino arteiro e com os outros
meninos. Convivia com todos no dia-a-dia. Como é que aquele homem bestial podia
falar aquilo dele!Infelizmente tem coisa na vida que se aprende de forma
adversa. Mas o menino tem notícias do Dri: ele fez medicina e é um médico
excepcional. Venceu o preconceito social e racial com estudo. Quer tapa na cara
dos que subjugam o próximo maior do que este?
Ahh este menino arteiro era encantador. Cheio de energia, alegria e principalmente, tinha respeito pelos seus semelhantes. Como está característica está fazendo falta na humanidade!!!
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