quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O MENINO FAZEDOR DE ARTEIRICES


Um mês sim outro não, o menino estourava o dedo do pé (pododáctilo – hálux –dedo grande do pé)em alguma coisa pela frente. Tropeçava em uma pedra que encontrava no meio do caminho. Chutava o chão antes do que a bola. Tropeçava com o dedão em algum degrau de escada. Um desastre! O dedão do pé andava todo estropiado. Estes dedões passaram maus momentos nesta existência...(risos).O menino das arteirices gostava muito de brincar e tinha pouco apreço pelo estudo. Brincava de pega-pega, de salva-pega, adorava brincar de passa anel. Menino danado, foi com a brincadeira de passa anel que ganhou o primeiro beijo. Era tão arteiro, que adorava pegar rabeira nos caminhões de algodão, um perigo, que passavam na frente da sua casa. 

As arteirices eram tamanhas, que um dia tirou a camisa do corpo e a jogou em um caminhão em movimento e acertou bem no meio da calota. O caminhão foi embora e levou a camisa enroscada ali, o desespero tomou conta, saiu aos gritos, mas o motorista seguiu seu caminho. O menino não teve dúvida: saiu correndo em uma tentativa desesperada para alcançar o caminhão. Lógico que não alcançou. Mesmo assim, saiu pela estrada com a esperança de achar a camisa e pensando em que desculpa arrumaria pelo sumiço da roupa. Naquele dia a sorte esteve do seu lado. Depois de andar quilômetros na estrada de terra vermelha, encontrou a camisa toda suja. Foi salvo pela persistência e se livrou do castigo que provavelmente levaria se chegasse a casa sem a tal camisa. Uma traquinagem atrás da outra.

Mas nem sempre a sorte esteve do seu lado. A Festa de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira da cidade, ajuntava uma multidão para comemorar o aniversário da santa. A festa era realizada em um clube da cidade que tinha um imenso lago. Só de pensar o que poderia ter ocorrido, dá um arrepio na coluna. O menino, danado que era,não perdia uma festa, estava sempre lá, com sua roupa de domingo.  Os barcos eram todos enfeitados e o lugar ficava cheio de gente... uma vez ele resolveu ficar com um pé em um barco e o outro pé em outro barco que estava ao lado. Com a movimentação da água do lago os barcos começaram se mover.  Advinha o que aconteceu? Os barcos começaram a abrir e suas pernas foram abrindo junto com o movimento dos barcos. Ele e uma centena de outros meninos caíram dentro do lago. Os barcos que se abriram lentamente começaram a voltar a seus lugares de origem. O menino danado poderia ter perdido a vida ali mesmo. Não se sabe quem foi, mas sabe-se que a mão de alguém o puxou pelo cabelo antes que os barcos se encontrassem e se fechassem de novo na posição anterior. Saiu do lago todo molhado, foi ao banheiro, enxugou-se e foi curtir a festa como se nada tivesse acontecido. Parece que este menino não tinha noção de perigo...

Um dia o menino saiu de casa sem rumo e foi parar na Matinha da Viúva, um resto de mata que sobrou na cidade. Resolveu comer uma suposta fruta que não era fruta e teve uma tremenda dor de barriga e muita febre. Chegou a ser internado. A tal fruta era venenosa. Era uma peraltice atrás da outra. No dia seguinte o menino já estava fazendo ou procurando fazer mais arteirices.

O menino das arteirices começou conhecer o que era preconceito bem cedo. Até podia não conhecer a palavra, mas sentiu o gesto da diferença. Num dia ensolarado em um campinho de futebol, o técnico do time adversário gritou “Pega esse pretinho que mora na baixada. Preto só serve para jogar bola mesmo!” O menino parou e olhou bem arregalado para aquele homem de meia idade e disse com firmeza“Ele tem nome viu, seu moço! O nome dele é Adriano e nós o chamamos de Dri.” O homem não percebeu a indignação dos meninos e soltou uma segunda frase pior que a primeira. O tempo fechou e o jogo terminou com uma briga. Não era assim que deveria ter terminado aquele jogo. O Dri era um menino inteligente, estudioso, trabalhador. Uma família de negros com mais de oito irmãos e o Dri, com onze anos, trabalhava para ajudar a mãe. Estudava com o menino arteiro e com os outros meninos. Convivia com todos no dia-a-dia. Como é que aquele homem bestial podia falar aquilo dele!Infelizmente tem coisa na vida que se aprende de forma adversa. Mas o menino tem notícias do Dri: ele fez medicina e é um médico excepcional. Venceu o preconceito social e racial com estudo. Quer tapa na cara dos que subjugam o próximo maior do que este?


Uma coisa é certa: o menino das arteirices cresceu, voltou a estudar e hoje vive feliz, mesmo sendo bem grandão. 

Um comentário:

  1. Ahh este menino arteiro era encantador. Cheio de energia, alegria e principalmente, tinha respeito pelos seus semelhantes. Como está característica está fazendo falta na humanidade!!!

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