Dedico este texto
ao meu amigo de infância Ernesto Brambilla, que venceu a Covid-19.
Cenário: Votuporanga,
início da década de setenta.
Os meninos da Rua Ceará acordavam bem cedo.Todos os dias
tinham tudo definido,um planejamento de quais seriam as atividades daquele dia.
Eram livres e mal vistos pelo engomadinhos. (Risos.) O encontro da turma se
dava no final da Rua Ceará com o cruzamento da Rua Santa Cruz, em frente à
venda do Venâncio Japonês. Os meninos, pré-adolescentes,tinham cara de marrentos
e alguns andavam descalços,de calção e sem camisa. Alguns pais recomendavam aos seus
filhos para não andarem com os meninos levados da rua.Mas, sem os pais saberem,
seus filhos andavam conosco escondidos. Não fazíamos nada de mal, vivíamos
nossa infância com intensidade.
Éramos chamados de moleques de rua, com todo orgulho. (Risos.)
No dia em que o calor estava insuportável,a busca era pelos
córregos, tanquinhos e rios para refrescar do calor intenso do interior de São
Paulo. Muitas vezes os tanquinhos formavam-se naturalmente ou eram represados
por nós. Divertíamo-nos.Aqueles que nadavam mais abusavam da sorte nos pulos e
mergulhos. Às vezes encontrávamos um barranco ou uma árvore para fazer de
trampolim. Era uma diversão indescritível,andávamos quilômetros em busca de um
rio para nadar e brincar. Quantas vezes não salvamos os amigos de afogamento.
Muitas! Eu fui um deles. É bom lembrar que a maioria de nós ia escondida dos
pais. Um protegia o outro. Éramos uma irmandade. Éramos bons de briga.
Depois que o tempo passou é que percebemos que tínhamos umas
brincadeiras bestas e nojentas. De manhã ou em qualquer hora do dia, se alguém estivesse
comendo um lanche e um de nós chegasse, logo gritava “metadinha”! A vítima tinha
que dividir o lanche. Dava uma raiva quando o lanche era bom! Às vezes,
marotamente, quando percebíamos que alguém ia dar o bote da metadinha, dávamos
uma cuspida no lanche para que outro não pegasse a metade do saboroso lanche. Brincadeira
mais...Outra brincadeira era colocar apelido. Quando o moleque não gostava de tomar
banho, recebia o apelido de Macuco (com sujeira encrostada na pele).
Os meninos da Rua Ceará eram terríveis, mas viviam uma
infância sadia.
Todos os dias eram dias de futebol de rua. Éramos
influenciados pelo time que torcíamos e pela seleção brasileira de setenta. Assim
organizávamos a pelada: colocávamos latinhas na rua para marcar o lugar do gol. Ali
acontecia o jogo com disciplina criada por nós e respeitada por todos. Nesse
campo improvisado a bola corria solta. Mas,montavam-se os times e o campeonato
com um número de gols definido, para que desse tempo para todo mundo brincar de
bola. Todos os times jogavam. Sempre tinha um vizinho chato que não gostava do
barulho das crianças aos gritos de gol e ameaçava não devolver a bola caso
caísse no quintal dele. E às vezes não devolvia mesmo! Quando não jogávamos
bola na rua procurávamos um quintal baldio para organizar um campinho. As
traves eram de bambu.
Sonhávamos com a ideia de sermos jogadores de futebol
profissional. Só sonho. (Risos.)
As brincadeiras de rua eram várias: esconde-esconde, raquete,bola
queimada. Salva pega, passa anel (nessa de passa anel, muitos conseguiram o
primeiro beijo da sua vida) e tantas outras. Algumas nem lembro mais do nome.
Tinha dia que a Rua Ceará parecia um
formigueiro de crianças. Os meninos tinham uma coisa engraçada: ficavam de mal
entre eles e cruzavam os dedos para mostrar a insatisfação. E ficavam sem
conversar um tempo, mas aos poucos, e depois de alguém intermediar,voltavam à
conversa. Como se não tivesse acontecido nada entre eles.
Íamos longe de casa para buscar melancia e procurar pomar de laranja.Levamos carreirão de gente e de cachorro. Muitos! Adorávamos os pés de jabuticaba que ficavam ao lado da minha casa. Quem não gostava da nossa visita ao jabuticabal era o dono, que nos colocava para correr com uma espingarda de sal.Quem ele acertava ficava com uma mancha vermelha durante muito tempo e ainda ardia.
PS: Que infância maravilhosa que tivemos!
Marcos Martinez
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