De um carro importado
imponente, desce uma mulher, também imponente!Ostentação! O carro lindo, um
tipo indecifrável carregado de letras e números na traseira, supostamente
apresentando sua marca, foi sutilmente estacionado em um espaço proibido de um hipermercado
famoso. O hipermercado estava abarrotado de gente. Em véspera de feriado, imaginem
a situação caótica.
Uma senhora elegante
abre a porta lentamente do carro imponente e, com um gesto delicado– disfarçado
–, joga a perna direita para fora do carro com todo charme,em câmara lenta. Vestida
com roupa de gente,aparentemente, grã-fina. Gente educada. Antes desse gesto,
desce o vidro fumê lentamente e com elegância. Lança um olhar desconfiado,de um
lado para o outro, denunciando a si mesma, estacionando o veículo em um espaço
que não deveria.Parecia estar incomodada com seu próprio comportamento. Incômodo
logo esquecido. A sua necessidade de estacionar era bem maior do que qualquer constrangimento.
A sua necessidade de fazer compra era maior do que a necessidade de centenas
de pessoas que estavam no estacionamento do grande mercado.
Antes que a senhora
deixasse o interior do carro por completo, um moço simpático (segurança)do supermercado
mostra-lhe uma placa com símbolos, indicando que aquele espaço é reservado para
uso exclusivo de portadores de deficiência física e idosos. O segurança
sorridente e educado gesticula com os braços abertos para a elegante senhora,
dizendo que, naquele lugar,ela não poderia estacionar. Não adiantou em nada o
esforço do moço na tentativa de avisá-la que estava transgredindo a lei. A
senhora lhe dá um olhar de superioridade!Como se o assunto não fosse com ela. Dissimuladamente,
a senhora de gestos delicados coloca no rosto uns óculos escuros para esconder o seu
cinismo. Sai andando em direção à entrada do hipermercado e solta uma frase entre
os dentes e bem baixinho: “Vou deixar o carro só um pouquinho aí, não vai
atrapalhar ninguém”. “Ai, que gente chata!”. Aquela “coisa do tempinho”.Tão
conhecido de todos nós!
Sem querer criar um
estigma de classe social, esse tipo de comportamento nas entrelinhas diz
descaradamente que ética serve para os outros. Não é só gente elegante que se
comporta assim: tem gente deselegante que briga e até puxa arma e faz escândalo
por causa de uma vaga no estacionamento. Vaga proibida! Se não bastasse, já vi
gente se comportando dessa forma e ainda fazendo discurso sobre a corrupção que assola
a nação. Sempre se referindo aos outros.
Depois de um bom tempo,
a senhora reaparece, saindo do mercado com o carrinho abarrotado de compras. Abre
o porta-malas do carro e acomoda as compras sem pressa alguma. Sai da vaga
proibida com seu carro, naturalmente. Sem nenhuma cerimônia. Estava com cara de
realizada. Na vaga proibida, agora vazia, entra um carro tipo modelo antigo,
caindo aos pedaços, desce um homem grosseiro que, diante da manifestação do
segurança em mostrar lugar reservado, solta um palavrão. “Vai...”.O segurança
fica intimidado diante de tanta agressividade...E o fluxo continua...