quinta-feira, 30 de agosto de 2018

TRÊS HISTÓRIAS DIFERENTES


Maria todos os dias levantava às três da madrugada e preparava a mesa de café para o marido, ele saía para trabalhar mais tarde do que ela. Na mesa de café deixava arrumada a comida de que eles gostavam. O filho mais velho saía bem cedo para a escola, depois do pai, de café tomado. A filha caçula dormia até mais tarde. O horário da escola era depois do meio-dia. Maria Aparecida tinha grande orgulho em ver seus filhos indo para a escola, oportunidade essa que ela não teve. Valorizava o estudo. Gente correndo atrás do seu sonho... Há anos não sabia o que era descansar no final de semana, o dinheiro extra que entrava com o trabalho de sábado e domingo era para bancar o estudo das crianças, comprar livros e outras coisas de que eles precisavam para manter a qualidade do ensino. Ela queria uma vida diferente da sua para os filhos. Ela mal sabia ler. O seu sonho era que os filhos fizessem uma faculdade. O sonho maior era o dia em que ela entregaria o diploma para suas crianças.

Maria não reclamava de cansaço...

Antes de sair, andava pela casa como se estivesse com os pés nas nuvens para não acordar o marido e ou os filhos. Dava um beijo de despedida em cada um, todas as manhãs. Religiosamente. Depois desse gesto de carinho, Maria ia para a cozinha tomar café meio amargo e comer pão com manteiga, preparados a seu gosto. Era mulher vaidosa. Trinta minutos antes de ir para o ponto de ônibus, colocava-se diante do espelho para ficar bonita. O batom discreto nos lábios não podia faltar. Os cabelos bem penteados tomavam-lhe mais tempo. Impecável. Faltando quinze minutos para as quatro da manhã saía em direção ao ponto de ônibus que ficava a uma quadra da sua casa. Aquela manhã de quarta-feira seria diferente de todas as outras.

Se ela soubesse que sua rotina seria quebrada daquele jeito, não teria saído de casa. Talvez faltasse ao emprego, algo nunca feito.

Ao caminhar alguns metros da sua casa, foi seguida por um homem. A rua era escura. Medo. Maria acelerou os passos! Poucos segundos depois, o homem caminhava a seu lado e conversava naturalmente. Mais alguns minutos, ele e ela caminhavam em sentido contrário ao seu destino. Desapareceram na escuridão da rua.

No horário em que ela estava acostumada a chegar em casa, não chegou! Passado um bom tempo o marido, aflito, o calafrio tomando conta do seu corpo, pensou que alguma coisa tinha acontecido. Os filhos choravam pensando em algo pior. Dor na alma. O marido ligou para a patroa de Maria, que confirmou que ela tinha faltado ao trabalho naquele dia. O desespero bateu nele e nos filhos. No dia seguinte, foi à delegacia e abriu boletim de ocorrência. Com os familiares e amigos, começou uma busca incansável pelo paradeiro de Maria, sem sucesso. Três dias depois o celular tocou. Uma voz forte lhe disse para comparecer à delegacia. O delegado queria falar com ele. Gelo. A imagem de uma câmara instalada em uma casa vizinha mostrou Maria caminhando com um homem com uma faca encostada em suas costas, do lado direito. O marido chorou copiosamente. Entrou em pânico ao pensar que alguma coisa ruim poderia ter acontecido a ela.

No altar, a vela de sete dias que Maria acendera à Nossa Senhora da Aparecida ainda queimava suavemente. De repente, apaga...

Mais uma estatística...

Uma semana depois, o corpo dela foi encontrado enterrado na cozinha de um homem que morava na mesma rua da sua casa. Ele tinha saído da cadeia há uma semana, onde passou alguns meses cumprindo pena por estupro e homicídio. O sonho de Maria acabou naquela madrugada fria...

Outra história...

Fernando, dias depois de completar dezesseis anos, conseguiu seu primeiro emprego. Muita felicidade. Mesmo antes de receber o primeiro pagamento, já fazia planos de comprar a roupa dos seus sonhos. Comprar um celular da hora. Comprar um tênis legal. Sonhos... Fernando não cabia em si! À noite, na escola, comentava com os amigos sobre o emprego. Falava desse mundo novo com entusiasmo. Planos. Quando terminasse o ensino médio, faria uma faculdade. A empresa dava oportunidade para quem estudasse. Vibrava! Em alguns casos ela até mesmo ajudava a bancar parte dos estudos. Fernando se destacava entre os amigos da escola pela amizade sincera. Um menino educado. Um sorriso maroto. Namorava Marisa e, depois do trabalho arrumado, já falava em casamento.

Tempos depois, de roupa nova e celular bacana, Fernando e um amigo caminhavam para o ponto de ônibus ao fim de um dia de trabalho. Alegre, ele falava, gesticulando, sobre seus projetos de vida... Conversava de futebol também, um papo descontraído sobre o time do coração. Sem que eles percebessem uma moto se aproximou com dois ocupantes que, aos gritos, com arma em punhos, dizem: “Perdeu! Perdeu! Perdeu! Passa o celular, babaca. Passa tudo, filho de papai!”. O amigo de Fernando entregou o tênis e Fernando não hesitou em nenhum momento em entregar o celular. Ele sempre foi muito tímido e, com o nervosismo pela cena de violência, esboçou um sorriso trêmulo no canto da boca. O carona da moto, irritado, aos gritos, diz: “Você está me tirando, meu!”. Ele atira no rosto de Fernando, que cai no chão. O amigo, desesperado, corre em busca de ajuda. Os bandidos saem com a moto em alta velocidade como se nada tivesse acontecido.

O Samu chega quinze minutos depois do ocorrido, dando os primeiros socorros. Encaminham Fernando para o hospital mais próximo, aonde ele chega com vida, ainda! Há esperança. Horas depois, a notícia que ninguém queria ouvir, o jovem foi a óbito. A família chora desesperada. A mãe, aos gritos, pergunta a Deus: “Por que meu filho?”.

A última história...

Amor eterno. Uma festa de casamento luxuosa. Mais de mil convidados. Diziam que eram almas gêmeas, que um havia nascido para o outro. Que casal lindo! Maravilhoso. Mariana e Roberto se conheceram em uma festa na casa de uma amiga. Ele, com um bom emprego e rico. Ela, advogada e bem de vida. Financeiramente. Em menos de um ano se casaram. Em nome do amor ele queria que ela deixasse a profissão liberal que exercia. Ela hesitou no início e, depois, deixou de trabalhar para atender o desejo do marido. Tudo em nome do amor.

Com o tempo, ele começou a chegar tarde em casa. Ela, em silêncio, resignada, queria apenas ser feliz. Acreditava piamente no amor perfeito.

Um dia, na casa de amigos, em um churrasco de domingo, ele começou a duvidar da sua fidelidade. Sem que ela compreendesse o porquê, ele a acusava de estar “dando bola” para o marido da amiga. Mariana ficou em silêncio para evitar escândalo, não entendia o motivo daquele ciúme doentio. Ela se dedicava inteiramente àquele casamento. As brigas se multiplicaram. O sorriso de alegria do início (que deixava muitos casais com inveja) foi trocado pelo rosto fechado. O andar com o olhar voltado para o horizonte, agora rumava para o chão. Em uma tentativa frustrada quis falar sobre a crise do casamento. Ele foi rude e disse, aos gritos: “Tem que ser do meu jeito! E nem pense em se separar de mim. Não seja nem louca em me deixar. Você não sabe do que eu sou capaz!”. Diante da agressão verbal, ficou paralisada. Um dia Roberto chegou em casa e disse: “Você não presta pra nada mesmo!”. Que mudança aquela nele. O seu mundo desabou. O sapatinho de cristal de cinderela naquela noite trincou. Sem que ele percebesse, ela arrumou as roupas e foi para a casa da mãe. Envergonhada.

Lá, com sua mãe, não teve coragem de dizer o que acontecia em sua casa. Sentia-se profundamente humilhada. Culpava-se pelo fim do casamento. Os pais sentiam que alguma coisa não estava bem e escolheram a discrição como apoio. No dia seguinte, decidida, saiu bem cedo para recomeçar sua vida. Com o rosto maquiado e bem vestida, ao dar o primeiro passo naquela manhã para atravessar a rua, foi atropelada por um carro em alta velocidade. Seu corpo foi arrastado por cem metros. No enterro, o marido chorava e lamentava a morte da mulher. O amor da sua vida. Mas sua máscara não demoraria a cair...

Uma semana depois da tragédia, os policiais que investigavam o caso de Mariana descobriram que o carro que a atropelou era de Roberto. Outra prova consistente contra ele: o atropelamento estava gravado na foto tirada pelo radar inteligente. Não havia nenhuma dúvida de quem era realmente o criminoso. Antes das provas, Roberto tinha sido ouvido pela delegada e saído pela porta da frente da delegacia. Desapareceu depois de provada sua culpa pela morte da esposa. Ele ainda não foi encontrado. Livre. Um final trágico.

Tantas outras histórias que não serão contadas e nem sequer choradas.
      

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