Morei em Votuporanga
até os 15 anos de idade. Nesse tempo, morei em vários bairros e casas, cada um
deixou sua marca na minha infância. Cada um deixou marcas para sempre... O
lugar que mais deixou marcas na minha criancice foi a casa da rua Ceará. Uma
casa diferente das outras. Ela tinha um quintal imenso, brincávamos muito nesse
quintal. Subíamos em árvores. Jogávamos bola. Brincávamos de salva-pega e tantas
outras brincadeiras de criança. Era um quintal encantado. A cada dia o imenso
quintal apresentava uma novidade.
A casa da rua Ceará era
antiga e os tijolos eram grandes. Uma casa velha. Parecia feita de tijolos de
barro. Sempre achei que a casa fosse assombrada. Com o passar do tempo, ela se
revelaria assombrada...A casa tinha vida!Parecia ter memória. O banheiro era
fora da casa – algo incomum nos dias de hoje. Os quartos eram enormes.
Escuros!Na frente da casa,um belo jardim. As janelas eram pintadas de azul e as
paredes de branco. Uma casa formosa. O telhado era de quatro chuvas. A casa ficava
no canto direito do terreno. Parecia muito com casa de fazenda,mesmo sendo
dentro da cidade. Adorava morar nessa casa. Era aconchegante. Depois que mudei
de lá, parecia que estava faltando alguma coisa...Saudade. Até hoje, guardo-a em
minhas lembranças.
Entenda porque o quintal
de lá era encantado: tinha dez pés de laranja pera,doces e saborosas. Uma
enorme mangueira de manga espada. Aquela que tem fibra. Deliciosa. Pé de
pitanga. Um pé de jabuticaba. O quintal parecia o Éden. Conhecíamos as estações do
ano – verão, outono, inverno e primavera –,conforme cada fruta aparecia,cada
flor florescia. Sabíamos que aquela fruta ou flor era daquela determinada
estação. Aquele quintal era uma escola. Era um lugar de aprendizagem. Ainda de
calça curta, ganhei um canivete com bainha para descascar laranja e outras
frutas. A vitamina C estava ali, bem pertinho. Tantas outras vitaminas... O pé
de pinha era uma delicadeza. Adorava tudo ali. Na primavera, o jardim, com
dezenas de flores, enchia os olhos. A casa da rua Ceará era abençoada.
Meu pai viajava muito a
trabalho. Eu e minha mãe ficávamos sozinhos. Tinha meu quarto e a janela ficava
na frente da casa,fazendo vizinhança com o belo jardim. A
minha mãe dormia em um quarto ao lado esquerdo da casa. Uma noite, depois de
deitar,ouvi um barulho de algo que se arrastava pelo chão. Achei que poderia
ser um bicho ou uma barata. O barulho continuava insistentemente.Medo. A minha
respiração começou a ficar ofegante. O barulho aumentava. Ansiedade. Tirei o
cobertor que cobria a cabeça e fui investigar de onde via aquele barulho,
lentamente. Cuidadosamente. Virgem Maria!Levei um baita susto, em menos de um
segundo estava na cama de minha mãe aos gritos. O que aconteceu? O meu sapato,
que ficava ao lado da cama, estava se mexendo. Movimentando. Eles estavam
juntos e começaram a se afastar um do outro.
P.S.: apesar dessas coisas de
assombração, adorava aquela casa. Eu sentia que as paredes tinham ouvidos. A
casa tinha movimento e, com certeza, tinha muitas vidas. Aprendi tanto com ela!Outro
dia fui visitá-la e, no lugar, construíram um imenso hotel chique!Assassinaram
minha casa da rua Ceará com memória e tudo!