quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Os Cavaleiros da Esperança


Ao conversarmos com Benedito Viviane sobre a idéia de construir um hospital em Cotia, em meados da década de 60, a emoção determina a tônica da entrevista. O Sr. Viviane lembra a dificuldade que os interessados enfrentaram e o medo de fracassar nesse projeto, medo que iria persegui-los durante todo o processo de construção do prédio.

Recorda que, antes da idealização da construção do hospital, um grupo de moradores da cidade já havia tido essa mesma idéia, na década de 50, tendo recebido verbas do Estado e a doação de um terreno, onde hoje está a Rodoviária de Cotia. Na época, o sonho da cidade fracassou, e os moradores tiveram que devolver as verbas ao Estado e o terreno, ao seu proprietário original. Porém, a necessidade de um hospital e a coragem de um novo grupo romperam com qualquer impedimento que inviabilizasse o sonho de sua construção – diz o Sr. Viviane –, inclusive, o medo do fracasso.

No barzinho da D. Amélia e do Sr. Godói, o Jacaré, num domingo de sol, surgiu a idéia de construir uma Santa Casa em Cotia – foi da conversa entre o Dr. Osvaldo Manuel de Oliveira e o Dr. Rubens Ferrari. Recorda o Sr. Viviane que os partos eram muitas vezes realizados por parteiras e em outras vezes em hospitais distantes daqui, um em Osasco e outro nas Clínicas, em São Paulo... muitos partos foram realizados na estrada.

Uma semana depois da decisão de construir uma santa casa em Cotia, foi marcada uma reunião, que se realizou no Cinema do Jubran com a presença de 400 pessoas. Haruyuki Yano, chamado o “Patriarca do Hospital” pelo Sr. Viviane, aderiu à idéia que surgiu no bar e ambos ajudaram a organizar a reunião. Os organizadores levaram a proposta de formação de diretoria da Associação da Santa Casa de Cotia. Indicações dos nomes: presidente – Sr. João Tavares, diretor da casa de detenção de São Paulo; vice-presidente – Dr. Rubens Ferrari, juiz do Trabalho de São Paulo. Os outros nomes dos componentes que formavam chapa: Dr. Osvaldo Manuel de Oliveira, Harayuki Yano, Pedro Victor, Dr. Edson Frederich, Sr. João Torrezani, Sr. Benedito Viviani, Dr. Valdemar Albano, Sr. Nivaldo Abud, Sr. Ermínio “Despachante” e Sr. Epitácio Gadelha. Várias outras pessoas fizeram parte das reuniões do hospital de Cotia, porém não foi possível fazer um levantamento correto de todos os nomes. A reunião seguinte, realizada uma semana após a primeira, foi um balde de água fria: compareceram apenas trinta pessoas. Apesar do temor do fracasso o grupo não desistiu e continuou a realizar reuniões, todos os domingos, no salão no fundo da igreja, com uma média de 12 pessoas. Também se encontravam no Bar do Matias e no escritório do Sr. Yano.
Depois de dois meses de muita luta, entra em cena uma nova situação que vai provocar uma cisão no grupo: através de uma deliberação, o Sr. Yano convida para participar da reunião o Sr. Odair Pacheco Pedroso, conhecido em todo o Brasil por implantar hospitais. O Sr. Odair exigiu algumas condições para assumir a liderança construção. A primeira é que deveria ser um hospital e não uma santa casa. Outra exigência era que, para iniciar a construção, tinha escolhido uma equipe de quatro pessoas: Benedito Viviani, Yano, Osvaldo e Rubens Ferrari. Em relação aos nomes houve consenso, mas o conflito surgiu por causa de um hospital. Algumas pessoas preferiam que fosse uma santa casa. Esse fato não impediu que a Associação do Hospital de Cotia iniciasse suas obras.

Durante toda a fala do Sr. Viviani vê-se que os envolvidos no sonho de Cotia ter seu hospital estavam além das vaidades. Todos os moradores de Cotia conversavam sobre o hospital nas 24 horas do dia, e um fator de grande importância nessa empreitada é que todos os segmentos da sociedade cotiana se envolveram com a tarefa de construir o prédio.

“Ninguém está vendo nosso trabalho, mas lá de cima estão”
(frase escrita atrás da foto abaixo, enviada ao Dr. Odair em 1975)

Uma outra exigência do Dr. Odair Pacheco Pedroso para assumir a responsabilidade de construir o hospital de Cotia era ter carta branca para tomar qualquer tipo de decisão. O grupo envolvido cedeu a carta sem maiores problemas. Além de escolher os quatro assessores para a construção, o Dr. Odair formou também sua equipe clínica, com a participação dos médicos Dr. Eurico Toledo Carvalho, Dra. Lurdes, Dr. Antônio Monteiro, Dr. Antero Barrado, Dr. Alberto Caputo e Dr. Epitácio Gadelha.

Após a definição da equipe e a formação da associação, o lugar para construir o prédio. Para que se tenha uma idéia de como os moradores de Cotia se envolveram na construção do hospital, logo no início, houve três doações de terrenos. A dona Nhá Nhá se propôs a doar uma parte de suas terras, próximas ao Mirante de Mata. O Dr. Celso também se propôs a doar terras para a construção do hospital, onde hoje fica o Jardim Lina. A terceira opção de doação de terreno ficava nas proximidades do Arakan. Para visitar esses terrenos formaram-se três equipes de voluntários e, apesar da boa intenção dos doadores, os terrenos não agradaram muito às equipes. Como diz o Sr. Viviani, “Parece que não era para ser naqueles lugares. Estava faltando alguma coisa”.

Conta o Sr. Viviane que ele e o Sr. Yano foram conhecer o terreno do Arakan e alguma coisa lhes dizia que não era ali. De repente, olharam para o horizonte, com o “sopro do vento dos deuses”, disseram: “É naquele morro que vamos construir o hospital”. Para ter uma visão do local imagine-se no Bairro do Turiguara, olhando em direção ao hospital. Foi isso que eles viram, com a diferença de que em 68 toda essa região era coberta de mata. Após o presságio e com os pés no chão, Yano e Viviani procuraram o dono do terreno. O primeiro contato foi com o ex-prefeito Kenji Kira, com quem o Sr. Yano mantinha uma estreita amizade, e que, por coincidência, tinha a procuração do terreno que desejavam. O dono daquele terreno era Kenzo Cayano, que cedeu uma parte das terras – 10.000 metros quadrados – para a construção do hospital. É importante frisar que a doação do terreno foi possível com a incansável intermediação de Kenji Kira.

A cada etapa vencida, novos obstáculos. Sem ajuda governamental, a equipe e vários segmentos da sociedade local organizaram eventos para construção do prédio. O Sr. Viviani, que assumiu o papel de historiador, confirma nas suas anotações que nos trinta anos de existência do hospital foram realizados 130 eventos. O Sr. Jubran, que era dono do Cinema, ajudava cedendo sessões de filme. O dinheiro arrecadado ia para a construção do hospital. Um detalhe em relação aos eventos é que os responsáveis pela bilheteria eram sempre Viviani, Osvaldo e Yano. De todos os eventos, o que mais marcou foi o decreto do monopólio da vela, que durou de oito a dez anos. Tal decreto consistia no seguinte: no Dia de Finados, só podiam vender velas as pessoas ligadas ao hospital. Outras formas de arrecadar dinheiro eram os bingos, churrascos, muitos memoráveis, e os circos que ao chegarem a cidade ofereciam um dia de bilheteria ao hospital. É difícil acreditar, mas o hospital de Cotia foi construído dessa forma.

A fundação de associação se deu no dia 28 de janeiro de 1968, num domingo, às 11 horas da manhã, no sítio do Sr. Odair, em Ituverava. Sete anos depois, em 1975, o hospital foi inaugurado.

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